Mula sem cabeça
“Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós.” I Coríntios 12:21
Talvez a eclesiologia (doutrina sobre a igreja) seja um dos assuntos mais frágeis da teologia cristã. Mesmo após a importante reforma proposta pelo movimento protestante, muitos valores espirituais da Igreja como a expressão corporativa de Jesus Cristo ainda permanecem relegados a um segundo plano como se fossem um assunto menor. Tal debilidade na correta compreensão do papel da Igreja tem gerado muitas aberrações tanto no evangelho pregado quanto na vida vivida.
Cada vez mais tenho ouvido um discurso atraente de um cristianismo sem vida de Igreja. A intuição pessoal e o exercício individual da “espiritualidade” é o tema da moda que atrai a muitas pessoas que desiludidas com os outros (nunca consigo mesmas) optam em seguir um caminho solitário: dizem que amam a Jesus mas não amam a Igreja – que é o Seu corpo.
As escrituras usam muitas figuras para nos demonstrar como a relação entre a Igreja e Cristo é impossível de ser separada. Proponho abaixo três figuras usadas por Paulo no livro de Efésios fazendo referencia ao tripé: esperança, fé e amor (I Co 13:13).
Esperança. A Igreja é como uma noiva que espera a chegada do amado noivo para as bodas de casamento. O Senhor Jesus “amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito. (5:25-27)” Como será possível não amarmos a quem o nosso noivo ama tanto? Não despreze a noiva de Cristo; ela é a sua amada e Ele está trabalhando para desposá-la.
Fé. A Igreja também é a casa de Deus (3:19-21) sendo que o Senhor Jesus é o alicerce da casa. Ninguém lança os alicerces em um terreno se não for para construir algo em cima dele. Uma casa além de proteger aos que estão dentro também serve de testemunho para os de fora. Quando as “pedras vivas” (I Pe 2:5)obedecem pela fé a doutrina dos apóstolos então um testemunho se ergue para o mundo aonde Cristo Jesus é o único alicerce: “a qual a casa somos nós, se guardamos firme até ao fim a ousadia e a exultação da esperança” (Hb 3:6).
Amor. Somos também um corpo aonde Cristo é a Cabeça (5:23). É através do Corpo que os membros demonstram amor mútuo cuidando e alimentando uns aos outros reciprocamente. Através da obediência a Cristo como o Cabeça, somos conduzidos, por Ele, na árdua tarefa de suportarmos e protegermos aos outros membros. “Porque ninguém jamais odiou a sua própria carne, antes a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo” (5:29 – 30).
É impossível separar Cristo da Igreja. Quando buscamos caminhos alternativos para a nossa peregrinação naufragaremos tanto na fé como na esperança e no amor. Porque esses elementos, necessariamente, florescem e são renovados no estreito e árido caminho da comunhão dos santos. Não existe um noivo sem uma noiva. Ninguém lança um alicerce para não construir nada em cima. Não existe uma cabeça flutuando por aí sem um corpo. Não existe cristianismo sem Igreja: “aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (I Jo 4:20).
Escrevendo esse pensamento me lembrei de uma personagem do folclore brasileiro: a “Mula sem Cabeça” um animal que ao invés de ter uma cabeça tem uma chama de fogo que sai do seu pescoço. Achei engraçado ter lembrado disso porque Davi nos adverte para não sermos sem entendimento como uma mula: “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem” (Sl 32:9). Acredito que existem muitas “mulas” por aí que – por terem uma mente carnal deixaram de reter o cabeça (Cl 2:19) e, ficam cuspindo fogo de um lado pro outro assustando e perturbando todos ao seu redor. São mulas porque não aprendem. São sem cabeça porque não se submetem à Igreja – que é o Corpo de Cristo.
Pensando melhor. Não há nada de engraçado nisso.
“ Não deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admoestações, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima.” (Hebreus 10:25)