Ligamentos
“(…) e não retendo a Cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus.” Gálatas 2:19
Sofri um entorse no pé direito há um mês atrás. Ao longo desse tempo, venho passando por várias fases aguardando a recuperação completa do meu pé. Imediatamente após o entorse o pé inchou tanto que o meu tornozelo desapareceu. Nessa fase de dor aguda, não conseguia colocar o pé no chão. Ele estava completamente inutilizado. Após muito antiinflamatório, gelo e repouso, o meu pé foi desinchando porém ficou todo roxo. Apesar da sua fragilidade eu conseguia apoiá-lo no chão e já conseguia sair mancando por aí. Estou na terceira fase em que o pé já não está mais inchado nem roxo, e consigo quase andar normalmente. Pelo que tenho lido essa é a fase mais delicada da recuperação porque o pé aparentemente está bom porém os ligamentos ainda não estão cicatrizados e uma nova lesão pode ocorrer.
Nesses dias de fragilidade física pude meditar um pouco mais nessa verdade espiritual falada tantas vezes pelo apóstolo Paulo: a igreja como o corpo de Cristo. “Vós sois o corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo” (I Co 12:27). Sendo que Cristo é a cabeça: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja” (Cl 1:18). E como acontece com o nosso corpo, todos nós temos funções: “conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outro, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada” (Rm 12:5-6). Para que a igreja pudesse compreender seu papel na terra o Espírito Santo nos trouxe essa figura maravilhosa de unidade, harmonia, trabalho e dependência que deve nos acompanhar em toda nossa peregrinação.
Fiquei pensando em meu pé e de como não consigo fazer tudo que gostaria devido à sua fragilidade. Minha cabeça está ótima, o resto do meu corpo também. Porém alguns poucos feixes do tecido fibroso que reforçam meu tornozelo impedem que eu ande normalmente. Na minha cabeça ordeno que o meu pé faça um determinado movimento porém não sou obedecido. A lesão trouxe uma desarmonia em todo o meu corpo. Sobrecarrego demais a minha perna esquerda, não consigo fazer meus exercícios físicos para uma melhor saúde do meu corpo afetando assim o meu peso, humor e cotidiano. Como Paulo diz: “cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele” (I Co 12:25,26).
Penso que nosso problema não está na lesão em si mas na forma como nos recuperamos dela. Todos nós estamos sujeitos a torções e tropeços na nossa caminhada. Todo peregrino passa por momentos em que necessita de repouso e recuperação. O melhor a si fazer é buscar restauração completa. Às vezes a lesão é visível. O inchaço e os hematomas aparecem em um determinado membro e a única solução é a imobilização e o tratamento. Porém, o perigo maior está nas lesões ocultas, mal cicatrizadas. Externamente não percebemos qualquer problema mas a lesão está lá. Agir como se não tivesse nenhum problema é um grande erro que manifestará graves conseqüências ao corpo futuramente.
Apesar de toda minha ansiedade em voltar a correr e ter uma vida normal, admito que ainda não estou preparado. Apesar do progresso, meu pé necessita de descanso para total recuperação. Para que no dia de amanhã meu corpo não sofra uma dor ainda maior devido à fraqueza dos meus ligamentos. Para que toda ordem da minha cabeça seja completamente obedecida pelo meu pé.
Essa preocupação com o meu corpo físico me adverte severamente sobre a minha função na igreja. Muitas vezes, preciso de tratamento e disciplina para uma completa restauração. Por várias vezes Deus tentou tratar as lesões no povo de Israel mas eles rejeitavam o tratamento preferindo a cura superficial das feridas (Jr 8:11). O Senhor Jesus não só deseja ser o meu Cabeça trazendo orientação e direção como também tem poder para me curar e restaurar-me completamente fazendo-me um membro útil ao Seu propósito.
A decisão está comigo.
“Estava ali um homem, enfermo havia trinta e oito anos. Jesus vendo-o deitado e sabendo que estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado?” João 5:5,6
”Tu os feriste, e não lhes doeu; consumiste-os, e não quiseram receber a disciplina; endureceram os seus rostos mais do que uma rocha; não quiseram voltar.” Jeremias 5:3
Deformações
“Um só é legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer; tu porém quem és que julgas ao próximo?” Tiago 4:12
Estou lutando com minha visão tem algum tempo. Comecei a usar óculos e o problema não resolvia completamente; continuava vendo as coisas embaçadas e com dificuldade. Finalmente descobri o meu problema: estou com ceratocone. Segundo a wikipédia: “O ceratocone pode ser definido de forma geral como uma deformação coniforme da córnea em forma de ectasia. É uma desordem ocular não-inflamatória que afeta a forma da córnea, provocando a percepção de imagens distorcidas. A dificuldade na percepção das imagens é similar à provocada pelo astigmatismo e nos casos mais avançados a visão é muito baixa ou totalmente borrada. Não há consenso a respeito da origem da patologia, acredita-se que tenha relação com o hábito de coçar os olhos em pacientes com rinite alérgica”.
O que me chamou muito atenção foi o fato que eu tenho ceratocone apenas no olho direito enquanto que meu olho esquerdo enxerga perfeitamente. Mas como isso é possível? Nas minhas crises alérgicas os meu dois olhos sofreram com as minhas mãos. Nunca poupei um em detrimento do outro, nunca “protegi” o meu olho esquerdo. Os dois coçaram. Os dois foram esfregados. Os dois sofreram as mesmas pressões. Por que então um olho está tão danificado e outro quase não tem nenhuma seqüela? Após exames veio a resposta: minha córnea direita é muito mais fina que a minha córnea esquerda. Até agora não sei se me acho “meio sortudo” por ter uma córnea grossa ou “meio azarado” por ter uma córnea tão frágil, mas o fato em questão é que os meus olhos não são iguais e o que causou dano para um não causou para o outro. A pressão atuou de maneira diferentes neles.
Após sair do médico fiquei pensando que se eu soubesse que meu olho direito era tão frágil não teria o coçado com tanta força tantas vezes. Para não machucá-lo teria sido mais gentil. Teria feito de tudo para poupá-lo e com isso seria beneficiado com a sua visão. Apesar da sua debilidade, continuo apreciando o meu olho. Não o desprezo, pelo contrário, desde o dia em que soube do problema passei a tomar cuidado com ele. Estou adquirindo uma maior sensibilidade e consideração por saber que ele não agüenta a pressão.
Meus pensamentos também me levaram a concluir que não tenho o direito de julgar as reações de ninguém. Não é porque agüento uma determinada pressão que meu irmão também irá agüentar. Possuímos estruturas diferentes e por isso mesmo reagimos de maneira diferente. Quando condeno alguém por não reagir da forma que eu esperava, demonstro uma ignorância maligna que despreza variáveis e situações que estão fora da minha percepção. É por isso que Deus é o único capaz de “Julgar retamente” (I Pe 2:23), apenas Deus conhece todas as circunstâncias que nos pressionam e quais são as nossas verdadeiras motivações.
Meu olho direito era perfeito mas tornou-se debilitado porque eu não me atentei para a finura da sua córnea. Quando aceitamos as deformações mútuas paramos de questionar a “fragilidade da córnea alheia’ e passamos a nos preocupar em preservá-la para que ela não continue se deformando e perca ainda mais a visão. Assim, de acusadores passamos a intercessores; de impiedosos a misericordiosos; de senhores a conservos; de opositores a colaboradores.
É provável que as deformações continuarão existindo em nossas vidas, porém naquilo que sou forte ajudarei o fraco na sua debilidade e vice-versa. E, assim, juntos, enxergaremos com clareza.
“Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: nós vemos, subsiste o vosso pecado.” João 9:41
“O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor guarda o peregrino.” Salmos 146:8-9a